domingo, 29 de agosto de 2010

Jorge Silva Melo, Público

As noites já caem cedo, os letreiros hão-de estar a acender, a estas horas, os cartazes são içados nas fachadas, a temporada começa. E o que resta da crítica ainda não corroeu a alegria do que fazemos. Para quem faz teatro, Setembro é sempre um mês de esperança, o mês feliz das marés vivas e das estreias.



Passei Agosto a olhar para as programações dos teatros desta Europa. E vejo: Patrice Chéreau vai dirigir "Sonho de Outono" de Jon Fosse em Paris (no Museu do Louvre!) - peça de que fizemos a estreia mundial em 2000 numa cave da Capital - e "Sou o Vento" (que lemos no São Luiz, aquando da visita dos Reis da Noruega) no Young Vic, em Londres, em versão de Simon Stephens (autor de quem estreámos há meses, e perante o responsável silêncio da "crítica especializada", o belo "Precipício no Mar").



Nestes 10 anos (que são os da nossa amizade), Jon Fosse passou do desconhecido que connosco bebia cervejas no Bairro e atravessava o Tejo de cacilheiro, a Prémio Ibsen (é-lhe atribuído pelo rei a 10 de Setembro).



E assim tem sido com os autores com que nos cruzámos na Capital, aquele edifício que as autoridades municipais consideraram um perigo. Os prémios italianos de 2009 foram parar a espectáculos com textos de Jean-Luc Lagarce, Antonio Tarantino, Spiro Scimone - e, neste Festival de Veneza, o enorme Ascanio Celestini estreia a sua primeira longa-metragem. Em Paris, Dimitris Dimitriadis foi o autor do ano (no Odéon). O Prémio Max (espanhol), que em 2009 foi para Juan Mayorga, foi este ano para Benet i Jornet (que editámos e nunca fizemos). Os Presnyakov, Scimone e agora Paravidino são feitos na Comédie Française, David Harrower estreou uma peça dirigida por Peter Stein...



Gente que revelámos em Lisboa - e alguns Portugal fora.



E agora que ensaiamos no São Luiz Hedda de José Maria Vieira Mendes, desce a tristeza: o que vou fazer depois disto, na temporada 2010-11? Onde tenho um folheto, onde estão as datas, os contratos, as traduções a chegar, as primeiras versões a serem discutidas, distribuições a serem completadas? É o que o estão a fazer os da minha idade (62, e já ando mouco!) nas cidades por onde também vivi, é o que se faz nos teatros, ao dobrar o Verão.



Em Outubro, estrearíamos A Farsa da Rua W, a obra-prima de Enda Walsh (mas onde?), cujos ensaios tivemos que suspender quando, em 2008, nos puseram fora das Mónicas; e em Novembro repunha Acamarrados (mas onde?) do mesmo autor, para os mostrar em alternância, e fazer vir cá o Enda que gosta daqueles aventais de minhota que se vendem nos Restauradores. E em digressão faria Um Precipício no Mar de Simon Stephens (mas onde?). Para, em Fevereiro, estrear Um Homem Falido de David Lescot (mas onde?). E depois, em Lisboa e em digressão, este era o ano para fazermos (mas onde?) Sou O Vento de Jon Fosse, Últimas Palavras do Gorila Albino e O Rapaz da Última Fila de Juan Mayorga, uma pecita minha (sem nenhuma importância, não tenham medo) que congemino sobre Franz Lizst (é o centenário - e eu devo-lhe a Lola Montes), e queria tanto fazer o Design For Living de Noel Coward (mas onde?, onde?). E começar a trabalhar uma peça do Almeida Faria (mas onde?, onde?)



E pronto, são horas de ir para o ensaio, que bom, Hedda.



Com amaríssima alegria, aproveito cada minuto de ensaio, encanto-me com os meus lindíssimos actores - e gosto tanto. Mas cada ensaio que passa é menos um dia que tenho com eles.



Pois eu sei: só ensaiarei de novo lá para Dezembro de 2011 - e é ainda um "suponhamos".



Continuamos sem local onde apresentar o trabalho de dramaturgia contemporânea que arrancámos há onze anos, quando ninguém o fazia. Chamou-se A Capital, era no Bairro Alto, no prédio que frequentaram Taborda, Eça, Ramalho - e onde expôs Columbano. E entre 1999 e 2002, foi aí que estivemos no centro da actividade teatral europeia - e alguns anos à frente de capitais mais ricas. Santana Lopes mandou-a fechar a 29 de Agosto de 2002, faz hoje 8 anos tremendos.



Entretanto, na CML, no MC, na DGArtes é um ver passar gente, presidentes, directores, vereadores e urbanistas, secretários e assessores, tanta gente - e ninguém a mandou abrir. De vez em quando chamam-me para reuniões, dizem que me sente no sofá. E o tempo passa.



E eu aqui em casa a enviar mails de parabéns ao Jon, ao Fausto, ao Juan, ao Spiro, ao Dimitris, sem saber bem que lhes dizer (quando farei a peça que lhes disse que queria fazer? E onde? Que lhes dizer da última peça que me enviaram? Algum dia a lerei com "olhos práticos"?). E eu aqui em casa, a evitar actores de quem gosto tanto, pois não sei que lhes propor.



Em Outubro, espectador, lá irei a Londres, serão férias. E em Novembro, Roma.



Mas não irei visitar os meus amigos dos departamentos literários, nem os agentes, nem os gabinetes dos teatros, não. Nenhum deles acreditará que, oito anos depois da brutal expulsão de A Capital, nada se tenha passado em Lisboa. Nenhum deles acreditará que eu, que estive tão activo na "dramaturgia contemporânea", seja agora um encenador pré-aposentado, pondo o meu carimbo (de suposto Mestre) em textos mais ou menos clássicos, em teatros mais ou menos institucionais.



Ninguém acreditará que, em Lisboa, ninguém acreditou. E que ninguém quis aproveitar o esforço (enorme e pertinente) que, com saber, oferecíamos.



Eu devia perdoar-lhes, ah, pois era, pois "não sabem o que fazem". Mas não, não perdoo.



Pois tinha sido possível, meus senhores, tinha mesmo sido possível. Artistas Unidos

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Mais dois filmes que fiz para a Compal, mas que só estão disponíveis na internet:



sábado, 7 de agosto de 2010

Aqui fica uma reportagem feita por uma amiga minha:

7 a 16 de Julho de 2010 • Gazeta do Cenjor

Cultura
A música toca baixinho, junto à bilheteira do Teatro Meridional. Vim assistir ao espectáculo “Saguão” de Spirio Scimone, uma produção do Teatro dos Aloés, acolhida pelo Meridional,
no seu espaço em Lisboa,
e para falar com João de Brito, um dos actores que integra esta peça.
É um espaço confortável, onde nenhum pormenor foi deixado ao acaso. As fotografias
de anteriores espectáculos espalhadas pelas paredes. Os sofás e as pequenas mesinhas vintage. O odor agradável que paira no ar. As pessoas do teatro
são atenciosas e cirandam por ali, a certificar-se de que está tudo coordenado para receber o público que chega. Estarão connosco na plateia umas trinta pessoas, num sábado de festas populares. O espectáculo corre sem percalços
e, no final, os actores saem para falar com algum amigo ou familiar que esteve na plateia a assistir.
Há, hoje em dia, um esforço
no sentido de conhecer melhor os públicos das artes e transformar esse conhecimento
num ganho. Sem público
o teatro não se faz. Mas sem actores também não.
Actores anónimos
A maioria dos actores em Portugal não é conhecida do grande público porque não aparece na televisão. Trabalha em estruturas teatrais
existentes um pouco por todo o país. João de Brito, 26 anos, Rui M. Silva, 35 anos, e Ana Ademar, 30 anos, têm em comum o facto de terem “tropeçado” nesta arte a dada altura da vida, sem ter tido qualquer estímulo familiar nesse sentido. Os três começam a trabalhar ainda quando estudantes por convite de alguém, casos de Rui e João, ou com o apoio da escola, como sucedeu a Ana.
João, que se formou na Escola Superior de Teatro e Cinema, na Amadora, teve o primeiro contacto com a área aos 18 anos, num grupo de teatro escolar, em Faro. É
Actores (in)vísíveis
Uma montanha russa, assim é a vida dos actores em Portugal. Ana, Rui e João são três actores habituados a percorrer os palcos do país e habituados à precariedade. São os “intermitentes”. Regulamentação para o sector e educação para a arte é aquilo por que mais anseiam estes profissionais do teatroo único que tem trabalhado sempre na mesma cidade, Lisboa no caso. Mas tanto Ana como Rui têm andado um pouco por todo o país.
Ana, actriz formada pela extinta escola de actores do CENDREV de Évora, inicia-se no teatro aos 13 anos através de um curso de teatro promovido pelo Inatel no Cacém. Estabilizada por agora em Beja, é actriz residente
na Lendias d’Encantar, estrutura na qual também exerce funções de direcção.
Rui, cuja curiosidade inata o fez inscrever-se, aos 18 anos, no curso da Academia Contemporânea do Espectáculo,
no Porto, foi dos três o que passou por mais cidades portuguesas em trabalho, incluindo os Açores. Recentemente
tem estado por Lisboa e colaborado regularmente com o Teatro Meridional.
“Férias obrigatórias”
Todos já passaram por fossos
de desemprego, aquilo a que João chama as “férias obrigatórias”. O trabalho é muito descontínuo, o que faz com que os actores vivam muitas vezes numa montanha russa, emocional e financeira.
Muitos actores dão aulas para tentar dar alguma constância a vencimentos tão flutuantes. João e Ana já deram ambos aulas a crianças e Rui costuma dar formações regularmente em estruturas amadoras ou profissionais.
Todos têm trabalhado sempre a recibos verdes, enquanto “trabalhadores independentes”,
mesmo que o não sejam. “Estive numa estrutura um ano e meio mas passava recibos verdes”, conta Rui. Isto significa que, mesmo quando residentes numa companhia, os actores permanecem, em regra, numa lógica de trabalho precário. “As próprias estruturas sorriem
com isso porque não têm gastos nem responsabilidade
nenhuma para com os actores”, afirma Rui. E isto mesmo tendo horários e local
de trabalho estipulados, trabalhando sob a alçada de uma entidade patronal e recebendo um vencimento regular, coisas que definem o trabalho dependente.
Ana afirma que os colegas da área que estão à frente das estruturas deveriam ser quem melhor entende as dificuldades
deste trabalho descontínuo. Mas são os primeiros a aproveitar-se do estado de desprotecção a que os actores estão sujeitos,
o que “assusta”. “Protecção
social não há nenhuma”,
diz Rui. Em 14 anos de carreira, o actor afirma ter conhecido apenas uma companhia de teatro que faz contratos, cumprindo com as responsabilidades sociais subsequentes.
Subsídio de férias, subsídio
de desemprego, protecção
na doença, baixa de maternidade são coisas que estes profissionais desconhecem.
Todos concordam que os actores são mal pagos em Portugal. “Os ordenados são na sua maioria muito baixos se tivermos em conta que é preciso pagar à Segurança
Social e que são trabalhos temporários (dois ou três meses). Não dá para fazer poupanças ou precaver o período sem trabalho que se segue quando acabas uma produção”, diz Ana. Todos os meses, um trabalhador independente tem que pagar o valor fixo de 159 euros à Segurança Social. João, que defende pagamentos consoante o que se ganha, é peremptório: “Se quero comer, não posso pagar”.
Legislação específica e educação para
a arte
Quando se lhes pergunta o que urge mudar no panorama
teatral em Portugal, é unânime a necessidade de um estatuto específico para os trabalhadores cujo trabalho tem uma natureza intermitente. É para isto que trabalha a Plataforma dos Intermitentes
do Espectáculo e do Audiovisual, uma organização
que luta pela criação de uma legislação específica para estes trabalhadores.
A necessidade de uma educação
para a arte é também coisa que lhes parece premente.
“O que mais temos em Portugal são estruturas a fazer trabalhos medíocres porque o público não exige mais”, afirma Ana. “Há muito para fazer no sentido da captação de públicos e isto é um problema
nacional”. É necessário criar hábitos e fazer o público entender a importância da arte e da cultura no geral. “É nas escolas que o trabalho tem de ser feito”.
Há um desconhecimento enorme relativamente ao trabalho
dos actores, sobretudo os não-mediáticos, que, por isso mesmo, muitas vezes não são reconhecidos enquanto tal pelo grande público. Depois de revelarem que são actores, não é raro haver pessoas que lhes perguntam qual é, afinal, a sua profissão “a sério”.
“Como o resultado final é uma hora de conversa num palco, as pessoas pressupõem
que isso não leva muito tempo. E o que é certo é que para fazer aquela hora de espectáculo foram precisas
muitas horas e muito trabalho”.
O desconhecimento das pessoas face aos trabalhadores
da arte é grande mas “o assustador” é este desconhecimento “estender-se aos lugares do poder”, o que leva a uma “falta de consideração
muito grande”, diz Ana, influenciando decisões “dos executivos camarários e até mesmo do Estado”.
Ana, Rui e João são três actores habituados a percorrer
os palcos do país mas “ninguém os conhece”. Neste sentido a invisibilidade é amiga já que a vida corre na tranquilidade do anonimato. Mas há um outro lado. A total desregulamentação do sector e ausência de direitos no emprego.
Coisas que urge mudar num Portugal ainda tão pouco habituado à convivência com as artes e em que parece que, segundo palavras de Rui M. Silva, “os únicos curiosos pelo que se faz somos nós [os artistas] porque o fazemos”.
Ana Vasconcelos
Gostei destas palavras do Bruno Bravo:

OLHE QUE NÃO PACHECO, OLHE QUE NÃO, por Bruno Bravo

Foi com tristeza e repugnância que li o artigo que o Pacheco Pereira escreveu para a revista Sábado sobre os artistas (entre aspas) e o submundo onde se movem.

Para o Pacheco Pereira basta dizer que se é artista para se ter de imediato direito a um subsídio que depois será gasto em sabe-se lá o quê, num mundo sombrio e refundido, ao qual o comum dos portugueses (quem é esse?) não tem acesso. Testemunhado apenas por portugueses incomuns que serão, talvez, os estropiados. Para o Pacheco Pereira o teatro é o da Comuna, o da Cornucópia e o dos Artistas Unidos. Todos os outros são apenas nomes. Nomes que nalguns casos para o Pacheco Pereira são coisas. Nomes que vivem à custa do dinheiro dos contribuintes. Por trás desses nomes estão também contribuintes, sabia? A maior parte deles a contribuírem mais do que podem e sem regalias sociais como as do comum português (quem será esse?). Se o Pacheco Pereira se tivesse dado ao trabalho de investigar um pouco as outras companhias (mas isso naturalmente não interessava para o seu artigo) tinha percebido que quem conhece os Artistas Unidos, o Teatro da Comuna e o Teatro da Cornucópia, conhece também as outras companhias. E que muitos dos que trabalham nas outras companhias vieram das únicas três companhias de teatro em Portugal que o Pacheco Pereira parece conhecer. E que a maior parte desses grupos, que tão levianamente enumera, têm tido, ao longo das últimas décadas, muito mais público do que o Pacheco Pereira pretende crer. E prémios, e reconhecimento Nacional e Internacional. São eles, mais as três companhias de teatro que o Pacheco Pereira conhece, o Teatro em Portugal. O seu artigo deveria começar exactamente assim – Para Acabar de Vez com o Teatro em Portugal. Ao menos não passaria por ignorante aos olhos dos estropiados. E olhe que são muitos os portugueses incomuns, estou em crer que até são muitos mais do que os comuns (mas quem serão esses?). Ao menos dava-lhe um certo charme. Mas eu desconfio dessa ignorância, sabe? Acho mesmo que é um disfarce. Um truque sujo a ver se pega. A tentar convencer o português comum que, cá para mim, deve ser o povo de outros tempos que se quer entretido a ver folclore para não se agitar muito. O pior é que, de facto, a nossa natureza não é agitada e o Pacheco Pereira sabe isso muito bem. Como também sabe que ninguém venceu a Ministra – que recuou no corte de 10% sobre verbas de contratos assinados pelo Ministério da Cultura – porque a Ministra (que confunde dependentes com independentes) apenas estava a apalpar terreno, a medir forças com um meio que, ao contrário do que o Pacheco Pereira sugere no seu artigo, é infelizmente muito desunido no que concerne aos seus direitos mais básicos e só se junta em situações limite. Assim tem sido, pelo menos na última década. E sabe qual é o mal disto tudo? (se calhar aqui até estamos de acordo) são os malditos subsídios, que não subsídios nenhuns, mas sim concursos públicos que funcionam mal e que se traduzem unicamente em dinheiro que nem numa bica afectam na contribuição do povo (chamemos-lhe assim apenas para usar o seu léxico) e que na realidade, depois, subsidiam o preço do bilhete. Se o subsídio (infeliz nome para um concurso público) fosse mais estruturante – apoio à divulgação, cedência de espaços para ensaios e espectáculos, material, apoio a itinerâncias nacionais e internacionais, etc, se

calhar já não falávamos de subsídios. Mas isso dá muito trabalho e é um incentivo à autonomia. E isso não é bom porque assim o português comum desaparecia e o país ficava cheio de portugueses incomuns.
Tantos artistas que nós temos! Diz o Pacheco Pereira. Compreendo que lhe faça confusão tanta diversidade, mas olhe, no teatro não são assim tantos e pode crer (sabe isso muito bem) que artistas por cá, de facto há muitos, mas estão noutros sítios.
Sabe uma coisa, Pacheco Pereira, artigos como o seu enchem-me de optimismo.

Bruno Bravo

domingo, 1 de agosto de 2010

Aqui ficam os dois anúncios onde participo:



e mais um: