quarta-feira, 8 de abril de 2009

Espero dizer este texto no Teatro Maria Matos, em Junho.

Os meus pais morreram há muito tempo. Cada um deles deixou em mim uma imagem muito especial, guardada na minha memória. Lembro-me de encontrar a minha mãe a caminho de casa, carregada de sacos de compras, num trilho íngreme. Estava sozinha até onde se estendia a vista e arrastava-se com dificuldade montanha acima, não apenas por causa das compras. Como é que ela era? Uma abandonada, expulsa da comunidade dos seres humanos, ferida de solidão. Ela tinha diante dos olhos arregalados, que nunca piscaram apesar do Sol, a visão da morte. Ao cruzar-se comigo, reconhece-me, mas mesmo assim não modifica a sua expressão. O meu pai estava sentado ao ar livre na floresta, no mesmo sítio onde costumávamos ir colher amoras. Ele não era velho, e até tinha facilidade em andar, mas de repente não conseguir continuar, tal era o seu abatimento. Vai tranquilo, meu filho, que eu, por enquanto ainda estou, à tua espera. São estas as duas imagens que fazem com que os meus pais continuem vivos em mim.

Peter Handke

1 comentário:

mmmim disse...

e eu espero estar lá para ver!