Os meus pais morreram há muito tempo. Cada um deles deixou em mim uma imagem muito especial, guardada na minha memória. Lembro-me de encontrar a minha mãe a caminho de casa, carregada de sacos de compras, num trilho íngreme. Estava sozinha até onde se estendia a vista e arrastava-se com dificuldade montanha acima, não apenas por causa das compras. Como é que ela era? Uma abandonada, expulsa da comunidade dos seres humanos, ferida de solidão. Ela tinha diante dos olhos arregalados, que nunca piscaram apesar do Sol, a visão da morte. Ao cruzar-se comigo, reconhece-me, mas mesmo assim não modifica a sua expressão. O meu pai estava sentado ao ar livre na floresta, no mesmo sítio onde costumávamos ir colher amoras. Ele não era velho, e até tinha facilidade em andar, mas de repente não conseguir continuar, tal era o seu abatimento. Vai tranquilo, meu filho, que eu, por enquanto ainda estou, à tua espera. São estas as duas imagens que fazem com que os meus pais continuem vivos em mim.
Peter Handke
1 comentário:
e eu espero estar lá para ver!
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